A
história da Lapa inicia-se nos finais do século XV, mais
propriamente no ano de 1498. Percebido o sinal miraculoso, os
romeiros empreenderam a espontânea construção de uma capela. E a
seguir uma proteção para os devotos que faziam a romaria à volta da
gruta inserida no enorme fraguedo. Isto da sua história passou-se
assim:
O célebre e hábil general mouro, Al-Mançor, pelo ano de 982,
atravessou o Douro para a margem esquerda. Havendo destruído Lamego,
progrediu para Trancoso. No trânsito arrasou o Convento de Arcas,
onde martirizou muitas das religiosas. Atravessada a serra de Pêra,
chegaram ao convento de Sisimiro, sito na actual Quinta das
Lameiras, freguesia de Pinheiro, concelho de Aguiar da Beira. Parte
das religiosas sofreram o martírio, outras escaparam levando consigo
uma imagem de Nossa Senhora, procurando abrigo nos matos por onde se
embrenharam. Acharam a gruta ou lapa, onde guardaram a dita imagem
que ali resistiu
à agrura dos séculos, durante uns 515 anos.
Em 1498, uma pastorinha
chamada Joana, muda de nascença, da freguesia e lugar de Quintela,
andando a guardar o gado de seus pais, lembrou-se um dia de entrar
ali na gruta e encontrou a santa imagem que meteu na cesta onde
guardava as maçarocas e a merenda. A imagem era de pequena dimensão,
mas muito formosa. E a pastorinha guardou-a e enfeitava-a como podia
e sabia, com as mais lindas flores que topava nos campos ou no
monte. Ao voltar a casa, no fim do dia, cuidava da roupa da imagem.
As ovelhas, apesar de fartas e nédias, eram apresentadas quase
sempre nos mesmos lugares, o que motivou acusações por parte de
outrem à mãe de Joana. Tudo isto e as teimosias da filha a fizeram
enervar e, sem mais, tirou-lhe a imagem, que teve por uma vulgar
nena ou boneca, e atirou-a ao lume.
A menina, transida de
pavor, gritou; “Tá! Minha Mãe! É Nossa Senhora! Ai! Que fez?”. A
fala começou a prender irreversivelmente a mocinha pastora e a mãe
ficou com o braço paralizado, transe de que se curou com a oração de
ambas.
A imagem foi levada para
a Lapa, sob a orientação do percurso por Joana e todos a
acompanharam. Porém, tal não terá sucedido sem que antes o cura de
Quintela houvesse tentado a entronização da veneranda imagem no
interior da Igreja Paroquial, donde a mesma imagem desaparecia de
modo insólito.
Para abrigo da imagem de
Nossa Senhora e para resguardo temporário dos fieis, sobretudo na
época de maior afluência destes, foi construído um Oratório e
levantadas algumas barracas. O Oratório e barracas adjacentes
estavam sob a jurisdição do reitor da Vila da Rua.
Foi este o princípio da
localidade de Lapa, onde por força destas circunstâncias começaram a
edificar-se as principais habitações e bem assim as subsequentes, o
que transformou um lugar inóspito num aglomerado que logrou alcançar
numa certa projecção e que hoje mantém a atmosfera de mística
espiritualidade e de estranha grandeza.
Entretanto, como a
Companhia de Jesus se instalasse em Portugal e gozasse de gerais
simpatias, foi permitido aos Jesuítas, a título transitório, que
dirigissem o culto da Lapa, auxiliando os fieis e atendendo-os de
confissão. Porém, no ano de 1575, o padroado da Abadia de Vila da
Rua passa a jurisdição e posse da Coroa Portuguesa, com o curato de
Quintela que lhe estava adstrito e em cujo limite se encontrava a
Ermida da Senhora da Lapa. Em 1576, sob autorização do Papa Gregório
XIII, D. Sebastião, deu a Igreja da Rua, com metade dos seus
réditos, ao Colégio de Jesus, que os Jesuítas fundaram em 1542 e
possuíam em Coimbra, ficando-lhes a pertencer tamcbém o Oratório da
Lapa. Efectivamente, D. João III tinha-lhes entregue o Colégio das
Artes, com a promessa de um dote, para côngrua sustentação, promessa
que não satisfez na totalidade, cabendo o ónus do cumprimento ao seu
sucessor.
Vindo estabelecer-se na
Lapa, os Jesuítas dão corpo, com o auxílio de particulares, à
edificação do Santuário e do Colégio, obras iniciadas no século XVI.
Dentro da Igreja, ou melhor junto dela mandou levantar, em 1586,
Pedro do Sovral, Senhor do Morgado de Sernancelhe, a actual capela
do Santíssimo Sacramento, para abrigo do túmulo de família. Antes de
ter a função hodierna e de albergar aquele altar de boa talha
joaninha, serviu de sacristia
O
Colégio, junto ao Santuário, começou nos finais do século XVII, mais
exactamente em 1685 e ficou sempre obra não acabada.
O
complexo religioso e escolar afirma-se progressivamente como um
prestigiado e prestigiante santuário de peregrinação nacional e um
notável pólo de de aquisição e consolidação de cultura. O colégio
locupleta-se de escolares. E a Senhora da Lapa impõe-se como um
centro de irradiação do culto à Virgem e como fermento de mais
povoações, cidades, dioceses e santuários um pouco por todo o mundo,
sobretudo pelas inúmeras estâncias por que andarilharam os padres
jesuítas.
Texto:
Abílio Louro de Carvalho -
Da Varanda do Távora - página 171
Sernancelhe na marcha da Torrente - Edição Câmara Municipal de
Sernancelhe 2002 |